terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O artista e suas visões - Por Helen Ferreira


Ser artista foi algo que não passou com frequência em meus sonhos e delírios de infância, talvez por intuir que arte era algo nato nos seres, algo que poderia se despertar a qualquer momento, sem a necessidade de um título ou rótulo. Esta definição veio depois, quando em certa façanha manual realizada, alguém lançava um elogio cheio de divinização: “é uma artista!”

Assim também percebia que este conceito de artista era visto em outra instância, como sinônimo de fracasso ou delinquência, imagem do sujeito carente de realidade e repleto de loucura. Uma mistura de definições e preconceitos quanto ao ser e fazer arte deu impulso aos meus caminhos e minha busca humana-existencial. Posso dizer que não fui em direção à arte em si, matéria e materiais; fui sim, em busca de mim, da libertação e do desenvolvimento de certos dons... Momentos de crises, dúvidas, desajustes; alguma manifestação artística, sempre me salvou de sucumbir à aspereza mundana das coisas comuns, rotineiras, padronizadas, engrenagens. Fazer artes se tornou uma jornada de auto-conhecimento, revelações, relacionamento, superações.


Lancei-me no teatro e em pouco tempo me apaixonei pelas peças, pelos dramaturgos, exercícios, possibilidades e recursos e o alto nível de expressividade envolvida. Aprendi a reconhecer que tinha uma voz, usar o corpo e os sentidos; enfim, fazer teatro foi mais importante e valioso que todas as informações ditadas diariamente na sala de aula, pois através dele descobri a interdisciplinaridade dos conhecimentos, o valor do trabalho em grupo e as noções de tempo e espaço interno e externo.

Também me embrenhei desde cedo na pintura, primeiro com o artesanato, vontade única de experimentar o belo, e assim uma miríade de imagens e desejos pictóricos começaram a surgir em mim. O mundo das tintas, pincéis, argila, foi a descoberta do paraíso, do surpreendente, um constante aprimoramento. Pintar é mágico, é árduo e na maioria das vezes requer solidão, mergulho em sim.

A pintura e o teatro começaram a bailar juntos em minha vida e veio então a compreensão de que a arte está em tudo e pode transformar tudo, quando se tem o coração nos olhos.

E finalmente meu coração veio parar na boca e me pus a cantar. A paixão pela música ficou humildemente guardada em um sótão meio rachado do inconsciente, esperando uma fresta de luz para brilhar. A música se manifestou nesta jornada, de forma sutil, metafórica, um desafio às limitações e limites. Eis que, aquela vontade de cantar, tocar, aprender, sensibilizar; resultaram neste ser que sou hoje.

Posso afirmar que a vida já é em si uma obra de arte, na qual vamos revelando, matizando, combinando e embora nem tudo nela seja beleza e cor, há também sombras, formas grotescas e até desbotamentos... sendo que, nada disto passa despercebido para um olhar atento, pois toda história guarda em si um ensinamento, aquilo que não se pode contar ou explicar, apenas viver.

Penso instantaneamente na quantidade de imagens e sons que absorvemos durante a vida; mas quantas realmente são transformadoras e revolucionárias em seus efeitos sobre nós? Poucas, muitas... o fato é que a arte nos ensina a aprimorar o olhar, nos torna visionários, dando profundeza ao que é olhado.

Sinto então a arte, como o lugar ou a experiência onde buscamos a divindade inerente ao nosso ser, a cada instante.


Helen Cristina Ferreira

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